Menina autista garante recebimento de BPC mesmo com renda familiar per capita superior a ¼ do salário mínimo
A recente decisão da 17ª Vara Federal de Porto Alegre, que garantiu o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a uma menina de sete anos com Transtorno do Espectro Autista, mesmo com uma renda familiar per capita superior a 1/4 do salário mínimo, reflete uma interpretação mais humanizada e inclusiva da legislação assistencial brasileira.
O Contexto do Caso
A decisão foi fundamentada na condição de vulnerabilidade da família, composta por uma mãe solo com baixa escolaridade e dois filhos menores.
A magistrada, ao aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, considerou que mães solo enfrentam sobrecarga de trabalho e dificuldades para melhorar sua qualificação profissional, o que compromete significativamente sua capacidade de sustento.
Além disso, a perícia médica comprovou que a criança é considerada pessoa com deficiência, conforme a Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Essa condição demanda acompanhamento e tratamento permanentes, gerando despesas recorrentes que agravam a situação financeira da família.
A Legislação do BPC e a Interpretação do Critério de Renda
O BPC, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), garante o pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria subsistência nem de tê-la provida por sua família. Tradicionalmente, o critério para definir a situação de hipossuficiência econômica é a renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 1232/DF e do RE 567985/MT, reconheceu que o critério de 1/4 do salário mínimo não pode ser utilizado de forma absoluta, mas sim como um parâmetro inicial. Outros fatores socioeconômicos e a situação concreta da família devem ser considerados para avaliar a vulnerabilidade.
A Importância da Decisão para a Concretização de Direitos Fundamentais
A decisão da 17ª Vara Federal exemplifica uma aplicação efetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Ao superar o critério estrito de renda, o Judiciário reconheceu a complexidade das condições sociais que envolvem pessoas com deficiência e suas famílias, ampliando o acesso à assistência social.
Além disso, a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero destaca a relevância de considerar a sobrecarga das mães solo na análise de casos assistenciais, promovendo maior igualdade material e justiça social.
O reconhecimento do direito ao BPC, mesmo em situações em que a renda familiar per capita supera o critério objetivo de 1/4 do salário mínimo, é uma vitória para a proteção social no Brasil.
Essa interpretação mais abrangente contribui para a realização de direitos fundamentais e para a inclusão social de pessoas com deficiência e suas famílias, promovendo maior equidade e justiça social.
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