É possível fazer penhora e adjudicação de um imóvel de família com o objetivo de quitar alugueis devidos pela ex-mulher ao ex-marido, na hipótese em que ela, coproprietária do bem, utilizou-o de maneira exclusiva após a separação sem pagar qualquer contraprestação.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por uma mulher que tinha como objetivo inicial vender o imóvel que possui com o ex-marido, onde morava sozinha, e, assim, receber 50% do valor da venda.
A princípio, ela ajuizou ação de extinção de condomínio em busca de autorização judicial para a venda. Ao ser citado, o ex-marido propôs reconvenção — a possibilidade de a pessoa alvo de um processo fazer pedidos próprios ao contestar a petição inicial.
Nela, ele afirmou que a ex-mulher se beneficiou exclusivamente do imóvel no período após a separação e, por isso, pediu que ela pagasse 50% do valor correspondente ao preço praticado no mercado pelo aluguel, além do ressarcimento de despesas como água, luz e impostos.
A sentença autorizou tanto a alienação do imóvel, pedida pela ex-mulher, quanto o pagamento dos alugueis e das despesas em favor do ex-marido. No cumprimento de sentença, apurou-se que o valor a ser pago por ela seria de R$ 1,09 milhão.
Quando o ex-marido pediu a penhora do imóvel para quitar a dívida, a autora da ação suscitou o reconhecimento da impenhorabilidade, por tratar-se de bem de família. As instâncias ordinárias rejeitaram a pretensão, o que levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça.
A posição vencedora foi delineada no voto-vista do ministro Moura Ribeiro, e aderida pela relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela aplica ao caso o mesmo entendimento que levou a 3ª Turma a autorizar a penhora de um imóvel familiar para obrigar duas pessoas a quitar os alugueis devidos a uma terceira, pelo uso do imóvel.
Naquele caso, não se trava de imóvel usado por ex-cônjuges. Ainda assim, a solução deve ser a mesma porque, conforme as regras de hermenêutica jurídica, onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir.
"Não é suficientemente relevante o fato de ter havido pretérita relação convivencial entre as partes para o fim de definir se é admissível, ou não, a penhora e a adjudicação do imóvel em que residiam em favor de um dos ex-conviventes", afirmou a ministra Nancy Andrighi.
No voto-vista, o ministro Moura Ribeiro destacou que o aluguel devido ao coproprietário pelo uso exclusivo do bem configura obrigação propter rem (própria da coisa ou do bem).
Assim, enquadra-se na exceção à impenhorabilidade prevista no artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990. A norma diz que é possível a penhora para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar.
O ministro Moura Ribeiro ainda apontou que a ação para venda do imóvel foi ajuizada pela ex-mulher, o que indica que ela já não tinha a intenção de conservá-lo como bem de família. A alegação da impenhorabilidade só foi feita posteriormente, quando ela se viu obrigada a indenizar o ex-marido.
"A inovadora tese do bem de família incorre, sem nenhuma dúvida, na proibição do comportamento contraditório, portanto sendo vedada pelo ordenamento jurídico. É o exemplo perfeito do venire contra factum próprio (vir contra seus próprios atos)", destacou o magistrado. A votação foi unânime.
Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.990.495
(Por Danilo Vital /Fonte: @consultor_juridico)
Comments